sexta-feira, setembro 05, 2008

Vier letzte Lieder

Há muitas formas de sentir uma música. Vier letzte Lieder são um caso especial. Desde a primeira vez que as ouvi, não mais deixaram de me inquietar. Reconheço, de imediato o início de Früling e sinto as cores e a “passagem”, a espera de September. O magnífico Beim Schlafengehen... e, Im Abendrot, é de uma beleza e suavidade indescritíveis. As quatro músicas invocam um ambiente único que proporcionam aos sentidos um desmembramento e uma flutuação de alma para um sub mundo interno sempre tão estranho a nós mesmos.
São obras de extrema beleza e cuidado. Emanam um profundo e único sentido de calma e contemplação pela vida, onde o fim, a mudança são encarados com tranquilidade e aceitação. As coisas simples e humildes da vida que fazem a essência humana.
É do mais puro da arte.
Voltei a ouvi-las, em excertos, como sonorização de um documentário da RTP. Já não as ouvia à imenso tempo e aos primeiros acordes, não evitei a surpresa, a inquietude. Sentei-me e vi o documentário até ao fim.
Neville Cardús disse a propósito deles que era a mais bonita despedida do mundo que o grande músico podia ter feito.
As Vier letzte Lieder (quarto últimas canções) - Früling (Primavera), September (Setembro), Beim Schlafengehen (Indo dormir), todos poemas de Hermann Hesse e Im Abendrot (Ao entardecer), poema de Eichendorff - foram as últimas criações do compositor alemão Richard Strauss. Tinha 84 anos quando as compôs e não conseguiu viver para presenciar a sua estreia em palco a 22 de Maio de 1950 em Londres - pela soprano Kirsten Flagstad e a Philarmonia Orchestra conduzida por Wilhelm Furtwängler.

Im Abendrot
(Text: Joseph von Eichendorff)

Wir sind durch Not und Freude
gegangen Hand in Hand,
vom Wandern ruhn wir (beide)
nun überm stillen Land.

Rings sich die Täler neigen,
es dunkelt schon die Luft,
zwei Lerchen nur noch steigen
nachträumend in den Duft.

Tritt her und lass sie schwirren,
bald ist es Schlafenszeit,
dass wir uns nicht verirren
in dieser Einsamkeit.

O weiter, stiller Friede!
So tief im Abendrot.
Wie sind wir wandermüde–
ist dies etwa der Tod?


Ao entardecer
(Poema de: Joseph von Eichendorff)

Pela dor e a alegria
caminhámos de mão dada,
do nosso deambular descansamos agora (ambos)
na quietude do campo.

Os vales curvam-se em nosso redor,
o ar torna-se escuridão,
apenas duas cotovias elevam,
anelantes, o voo em pós da noite perfumada.

Vem para aqui e deixa-as voar,
em breve serão horas de dormir.
Oxalá não nos percamos
nesta solidão.

Oh vasta paz serena,
tão profunda ao entardecer!
Que cansados estamos de vaguear!
Acaso será isto a morte?

terça-feira, setembro 02, 2008

Fortaleza

Fortaleza
Rui Miguel SF

Bate o vento nordeste na fortaleza
da muralha voa o pó, a poeira
a luz do céu fica incerta
e o chão da terra areia.

Logo veio a noite mais escura
e dela nunca a lua se viu
nem isso te quebrou os muros
mas, aqui nada resistiu.
Quebraram os que se pensavam fortes.
Nesta guerra
morrem aqueles que procuram a morte,
na suja terra.
Não há uma noite que se durma,
com o coração alerta
sob o frio vento norte
ninguém se acostuma.
Na dor há quem desista
quando nenhuma é a esperança e,
da muralha da fortaleza
só a poeira, só a areia.
"Não há um que seja mais forte",
sentenciou a morte.
Perderam os dois, atirados à dor.

Perdeu o amor.