quarta-feira, maio 17, 2006

A espera

Uma leitura de Haja o que houver de Pedro Ayres Magalhães

(Fica, aqui, mais uma homenagem a Pedro Ayres Magalhães. Em co-autoria com Marion Maldener.)

A poesia de Pedro Ayres Magalhães recorda a poesia trovadoresca. Evoca os seus temas preferidos, o Espírito e o Amor. As suas obras são retratos de momentos fugazes, de emoções, feitas de sonhos e paisagens, esperanças e saudades.

Nos seus poemas, o músico e poeta, expressa o amor à cultura portuguesa, com palavras impregnadas de saudade, nostalgia e suavidade. Comprometido com essas emoções, Pedro Ayres, romântico e sentimentalista, escreve os seus versos mergulhado na própria alma, em apelos e súplicas numa eterna espera.


Haja o que houver foi composto em l997, integrando o álbum “O paraíso” de Madredeus.

Haja o que houver

(Pedro Ayres Magalhães)

Haja o que houver
eu estou aqui
Haja o que houver
espero por ti
Volta no vento
ó meu amor
Volta depressa
por favor.

Há quanto tempo
já esqueci
porque fiquei
longe de ti.
Cada momento
é pior.
Volta no vento
por favor.

Eu sei, eu sei
quem és para mim.
Haja o que houver,
espero por ti.

Neste poema, a espera incessante está presente no refrão, um recurso típico da poesia popular, das cantigas de amor e de amigo, como expressão do desgosto de amar e de ser abandonado, de momentos de dores trazidos pela ausência.
Haja o que houver fala do amor em ausência, numa distância física. A morte da pessoa amada trouxe a amargura, o apelo, a esperança: Volta depressa... Volta no vento...

Uma outra compreensão do poema coloca a pessoa amada numa distância emocional, diferente da distância física, pois, quando um deixou de amar, está insensível, apesar de ambos estarem presentes fisicamente.


Este poema coloca o amor como sentimento mais próximo da alma do que dos sentidos, que não arrasta, nem à morte e nem à desesperança. Evoca traços trovadorescos, ainda que tenha sido escrito na actualidade, e o sentimento autenticamente português – a saudade.


Constituído por versos livres, sem grandes preocupações com a métrica, este é um poema composto por vinte versos, numa linguagem onde os verbos merecem atenção. Conjugados no presente, pretérito e futuro, constroem uma imprecisão temporal.


A insistência na metáfora, Volta no vento, clama por um retorno veloz, que se iguala a um vento uivante. É um clamor reiterado em outros versos, que dá a ideia de espera incansável.

Fascina-me a simplicidade com que se transmite tamanho sentido.

Haja o que houver,

espero por ti.

Para ler e/ou ouvir.

domingo, maio 07, 2006

150 anos de Sigmund Freud


A evolução do pensamento ocidental, e por consequência, da nossa própria forma de olhar, compreender e agir sobre o mundo, deve o seu impulso a alguns dos pensadores mais brilhantes de sempre e para os quais temos uma dívida sobre aquilo que hoje somos.
A evolução da nossa sociedade nos últimos 5 séculos deve-se, muito particularmente, a algumas mentes extraordinárias que ruíram com a matriz narcísico/divina do ser humano. Primeiro com Galileu, depois com Darwin e depois com Freud.

Galileu tirou o homem e a Terra do centro do Universo, ao desacreditar a teoria do geocentrismo, advogando a teoria do heliocentrismo.
Darwin contrariou a criação divina do homem descrita pela Bíblia ao provar a teoria evolução das espécies.
Freud revolucionou a sociedade ao anunciar a existência do inconsciente – a “tal” zona do psiquismo constituída por pulsões, tendências e desejos cuja formação se deve em grande parte às etapas da infância. Uma zona que não é passível de conhecimento directo e que é a essência do individuo.
Para além de todas as outras revoluções que Freud trouxe para vários campos da sociedade, aquela que eu enquanto leigo nestas matérias mas profundo interessado considero a principal, é a continuidade na perspectiva de um novo conceito de homem que vinha já de Galileu e Darwin. Com Freud, o homem sabe que por força do inconsciente, nem ele próprio controla. Deixámos de ser o centro do Universo, para compreendermos que fazemos parte da mesma natureza de todos os outros seres vivos, que respondemos pelas leis da natureza e que nem sobre nós temos o verdadeiro controlo que acreditaríamos alguns séculos atrás ter sobre todo o Universo. É uma espécie de morte do narcisismo, é uma espécie de descer dos píncaros de um lugar que nunca existiu.

150 anos após o nascimento de Sigmund Freud, a ideia que temos de nós próprios e o Ocidente enquanto colectividade, é radicalmente diferente. No século XX a arte: o cinema (Bergman, Woody Allen, Hitchcock,…), a pintura (Dali,…), a literatura, a música, os movimentos políticos e os estranhos movimentos do coração incorporam a linguagem de Freud. No quotidiano mais vulgar Freud está presente; até nos desequilíbrios do vizinho a nossa linguagem incorpora a linguagem de Freud – pode ser psicótico ou depressivo, seja lá o que essas expressões queiram dizer elas já fazem parte da linguagem quotidiana. Gostamos de ser complexos, de ter aquele mundo interior que é só nosso e que mais ninguém imagina, gostaríamos que o nosso inconsciente esquecesse partes do nosso passado, mas não foi passado nenhum, é uma parte do presente, gostamos da forma como Freud prestou atenção às coisas mais pequenas e quotidianas mostrando-nos que as coisas mais triviais da vida afinal não são assim tão insignificantes como pensávamos e por vezes são as mais importantes, … Poder-me-á ajudar a compreender porque não gosto de leitão sem nunca o ter provado ou porque às vezes a raiva, por incrível que pareça, parece “saber” bem ou mesmo a razão porque estou a escrever este artigo.

Aquilo que sou e que somos seria extraordinariamente diferente sem Freud. É essa a homenagem que lhe devemos. Viena, Berlim, Paris, Roma, Madrid, Londres, Nova Iork... multiplicam-se em actos, exposições, livros, conferências que possam recordar alguém que nos ajudou a dar mais uns passos em frente.

Eu vou voltar a abrir a “Psicopatologia da vida quotidiana”...

Mãe

A minha mãe.

quinta-feira, maio 04, 2006

As coisas pequenas


Há lugares tão perto

...tão especiais

...paraísos para a alma.
Não consigo dar-vos a perceber o som de fundo destas imagens. Mas, imaginem toda a paisagem sem ruído algum (incrivelmente não se ouve um ruído que seja), apenas a natureza e a alma. Aqui consegue-se "falar" com a nossa alma, estabelecer um diálogo interior tão apaixonante como se de repente, tivessemos a conhecer alguém que nos foi sempre desconhecido.
Há lugares tão perto de nós aos quais nunca prestamos atenção. Também há pessoas tão perto de nós às quais nunca olhamos.
As coisas pequenas e mais próximas são, sem dúvida, as melhores da vida. Elas fazem e são a essência.
As coisas pequenas
(Pedro Ayres Magalhães)
Coisas pequenas são
coisas pequenas
são tudo o que eu te quero dar
e estas palavras são
coisas pequenas
que dizem que eu te quero amar.
Amar, amar, amar
só vale a pena
se tu quiseres confirmar
que um grande amor não é
coisa pequena
que nada é maior que amar.
E a hora
que te espreita
é só tua.
Decerto, nao será
só a que resta;
a horaque esperei a vida toda,
é esta.
E a hora
que te espreita
é derradeira.
Decerto já bateu
à tua porta.
A hora
que esperaste a vida inteira,
é agora
"Aquele que é fiel nas coisas pequenas, será também fiel nas coisas grandes. E quem é injusto nas coisas pequenas, sê-lo-á também nas grandes" (Lc 16, 10).
O lugar: Vale Manso, Barragem Castelo do Bode, Martinchel, Abrantes.