sábado, dezembro 22, 2007

A vida é um romance, somos novas possibilidades e a saudade

A vida é um romance

Gostamos de chamar simples às coisas que são providas de pouco grau de liberdade, e complexas às coisas envoltas em numerosos graus de liberdade. A ideia de reduzir a complexidade a fenómenos simples sujeitos a leis deterministas e reversíveis domina as ideias. Estas ideias deterministas reduzirem as sociedades a lugares desenhados geometricamente, onde o indivíduo faz parte de uma engrenagem qualquer matemática. Tudo parece estar previamente determinado por um regime de leis visíveis, invisíveis outras. Das leis comportamentais, às leis morais, ao desenho geométrico do espaço da cidade, ao desenho hierárquico social, tudo passou a poder ser previsto e antecipado, sendo o imprevisto reduzido, separado, ostracizado a um local invisível da sociedade, as margens da mesma. A engrenagem social determina o caminho, ou as variantes para um mesmo.
Mas, a vida é um romance, envolto em entropia.

Quando em 1911, o Barão Fourrier descobre a lei segundo a qual o fluxo de calor é determinado pelo gradiente de temperatura - começa o calor ir do quente para o frio, introduziu uma orientação temporal, um elemento irreversível, em contradição absoluta com as leis da ciência clássica. Fez escândalo naquela época entre os newtonianos. Foi a prova de que o mundo, implicitamente, concilia duas visões: uma obedecendo a leis, deterministas e outra fiel à entropia ao indeterminismo, à liberdade. Foi a ruptura com o determinismo.
A ciência compreendeu à muito que o universo é muito diferente daquela geometria intemporal que correspondia ao ideal da ciência clássica. O mundo que começamos a decifrar é mais parecido com um romance, onde as histórias se ligam umas às outras: a história cosmológica, a história da vida e a nossa própria história.


Somos novas possibilidades

Ainda não estamos habituados a uma visão que considera a complexidade do universo, a complexidade de nós próprios, dos nossos caminhos individuais. Sempre o soubemos e sempre optámos pelo facilitismo organizacional do previamente derterminado. Aquilo a que chamamos de organização revelou-se um lugar de esquizofrenia e de floresta de muros visíveis e invisíveis. Ao olharmos a natureza encontramos um princípio de auto-organização longe do equilíbrio. É importante que seja longe do equilíbrio, porque dentro do equilíbrio somos apenas matéria inerte, passiva. Longe do equilíbrio, a matéria torna-se activa. Explora, sem parar novas possibilidades.
Tentar reduzir o que somos a uma simplicidade definida por uma equação matemática ou definição gramatical ou a um código de conduta será desligarmo-nos das possibilidades; sairemos do caminho da liberdade, da descoberta, dos sentimentos.

E a saudade

Podia ser o amor, mas a saudade é a sétima palavra de mais difícil tradução de todas as palavras conhecidas no mundo, segundo a empresa Today Translations. São estas palavras que nos fazem compreender um pouco do cariz e complexidade cultural do outro, de outras histórias da vida. Elas obrigam a uma reflexão, à experiência cultural das palavras, pois muitas delas são sinónimos de estados de alma muito particulares. Se me pedirem para traduzir a palavra saudade eu dar-lhes-ei a ouvir esta música.


Guarda-me a vida na mão
(interpretado por Ana Moura)

Guarda-me a vida na mão
Guarda-me os olhos nos teus
Dentro desta solidão
Nem há presença de Deus

Como a queda dum sorriso
P’lo canto triste da boca
Neste vazio impreciso
Só a loucura me toca

Esperei por ti todas as horas
Frágil sombra olhando o cais
Mas mais triste que as demoras
É saber que não vens mais

Continuamos a ser um mistério que alguns querem desvendar e outros controlar; deixar o iceberg devidamente mergulhado. A liberdade é quando nos desvendamos no outro descobrindo o que o outro é em nós.



Mistérios
(Luis Fernando Verissimo)


Ninguém é o que parece
ou o que aparece.
O essencial não há quem enxergue.
Todo mundo é só a ponta
do seu iceberg.


Que 2008 permita o mundo avançar pelo caminho da descoberta.