Falar de amor
É um desafio falar de amor.
No último post "a palavra amor", criou uma discussão muito interessante. Houve comentários apaixonados, outros que questionaram, houve quem não comentasse porque a força da palavra antevê emoções incómodas... É um termo com força, que não é indiferente, que sabemos existir mas não sabemos o que é. "Ele" anda por aí, "ele" acontece..
Podemos pensar o amor. Podemos deixar a prudência para trás, por um momento, e pensá-lo. Não me parece, este ser um desafio estéril. Pelo contrário, pensar "o amor", é também, encontrar as bases que permitam conhecer o que somos, quem somos.
A constatação é simples: a complexidade que é pensar o amor necessita de uma racionalização aberta.
Vivemos sob o domínio das ideias racionalizadoras, que não consideram aquilo que se passa, mas que priveligiam os sistemas fechados, coerentes, consistentes. A ciência económica contemporânea, ciência formalizada, matemática são um magnífico exemplo de racionalização fechada, não considera as paixões, a vida, a carne dos seres humanos. É incapaz de efectuar uma previsão quando aparece um acontecimento inesperado.
O desafio está lançado. Pensar o amor de forma aberta. Trata-se de falar de incertezas, de caos. Não somos seres líquidos nem sólidos. Somos híbridos, que vivemos , que vivemos à temperatura da nossa combustão, da nossa destruição. Vivemos na e da projecção que fazemos e vivemos do e no outro.
O amor é o acontecimento inesperado, caótico que deriva do facto de aparecer em nós, de se projectar no outro e que se projecta do outro para nós. É um processo imprevisível e aparentemente desordenado. O amor é um processo regenerador. Ele provoca alterações biológicas visíveis, parece alterar a forma como abordamos o exterior. A desordem interna que causa é a fonte de regeneração do ser, da forma como eu vivo as coisas, como por consequência as altero. Provoca o caos e desse caos nasce um novo universo de formas.
O amor é como o universo, é um cocktail de ordem e de desordem, um cocktail muito diferente consoante os casos, as condições, os lugares, os momentos... Consoante o ângulo de observação, o mesmo fenómeno pode provir tanto da ordem como da desordem.
Falar de amor é encontrarmo-nos no nosso âmago, descobrirmo-nos. Seria bom sabermos o que é o amor ou pelo menos conseguir-lhe as pistas.
Dizer que amamos o outro implica todo um mundo novo. Tudo pode ser alterado quando dizemos "amo-te". O mundo pode simplesmente mudar. Acrescento - importante é que mude para melhor...
O amor é felicidade, mas também é dor.
Quantas vezes fechamos os olhos, recusamos olhar e dizemos a palavra mágica no escuro, à espera que possa fazer um milagre?
Quantas vezes criamos a ilusão?
Sendo o amor uma parte tão importante das nossas vidas, se não a mais importante, porque recusamos dar-lhe a atenção que merece?
Por uma vida mais feliz.
"Há já algum temo que os seres humanos se encontram a atravesar uma nova fase evolutiva, em termos intelectuais, na qual as suas mentes e os seus cérebros e as mentes que vieram da natureza resolvem fazer de aprendiz de feiticeiro e influenciar a própria natureza. Mas também é arriscado não aceitar o desafio e não tentar minimizar o sofrimento. Os riscos de não se fazer coisa nenhuma são ainda maiores. Fazer apenas o que a natureza dita só pode agradar áqueles que não conseguem imaginar mundos melhores e alternativas melhores. Áqueles que pensam que já estão no melhor dos possíveis mundos."
in: O erro de Descartes, António Damásio